quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Processos de Compreensão

Gersely Sales





Fichamento de Processos de Compreensão (p. 228-279). Terceira parte.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão – São Paulo: Parábola, 2008.

“Ler é um ato de produção e apropriação de sentido que nunca é definitivo e completo. Ler não é um ato de simples extração de conteúdos ou identificação de sentidos. Não se pode dizer que ler seja apenas uma experiência individual sobre o texto. [...] Nossa compreensão está ligada a esquemas cognitivos internalizados, mas não individuais e únicos.” (p.228)
“Nós só tomamos conhecimento de algo e identificamos algo como sendo determinada coisa quando temos categorias ou esquemas cognitivos para isso.” (idem)
“A língua é um sistema simbólico ligado a práticas sociohistóricas e não funciona no vácuo. O sociointeracionismo vygotskiano funda-se nas propriedades da mente social. Para Vygotsky, conhecer é um ato e não uma ação interior do indivíduo isolado.” (p.229)

Leitura e compreensão como trabalho social e não atividade individual
“Compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que se vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho.” (p. 229, 230)
“Sempre que produzimos algum enunciado, desejamos que ele seja compreendido, mas nunca exercemos total controle sobre o entendimento que esse enunciado possa vir a ter. Isso se deve à própria natureza da linguagem, que não é transparente nem funciona como uma fotografia da realidade. A interpretação dos enunciados é sempre fruto de um trabalho e não uma simples extração de informações objetivas.” (p.231)
“A compreensão é também um exercício de convivência sociocultural.” (idem)
Segundo a concepção de Ângela Kleiman, “O leitor não é um sujeito consciente e dono do texto, mas ele se acha inserido na realidade social e tem que operar sobre conteúdos e contextos socioculturais com os quais lida permanentemente.” (idem)
“Ela critica as posições da linguística de texto e da psicologia que inspiram as teorias que viam o leitor como sujeito ativo que utilizava e mobilizava conhecimentos pessoais para compreender.” (p.232)
“A leitura vem sendo tratada em um novo contexto teórico que considera práticas sob um aspecto crítico e voltado para atividades sociointerativas.” (idem)
“Quando falamos ou escrevemos, não temos muita consciência das regras usadas ou das decisões tomadas, pois essas ações são tão rotineiras que fluem de modo inconsciente. Para se compreender bem um texto, tem-se que sair dele, pois o texto sempre monitora o seu leitor para além de si próprio e esse é um aspecto notável quanto à produção de sentido. A compreensão de texto não se dá como fruto da simples apreensão de significados literais das palavras.” (p.233, 234)

Breves observações sobre o sentido literal
“O sentido literal nada mais é que um sentido básico que entendemos quando usamos a língua em situações naturais. Não se trata do sentido dicionarizado nem de uma oposição ao sentido figurado e sim daquele que é construído como preferencial.” (p.235)
“O sentido não literal (SNL) seria pragmático, associado ao enunciado e ao falante, não convencionalizado nem composicional. O SNL clássicos se dariam nas metáforas, atos de fala indiretos, implicaturas conversacionais e ironias.” (idem)

Compreensão e atividade inferencial
“Compreender é decodificar e compreender é inferir.” (p.237)
“De um lado, está a perspectiva de uma semântica lexicalista, uma noção de referência extencionalista na relação linguagem-mundo e uma concepção de texto como continente. De outro lado, está uma noção de língua como atividade sociointerativa e cognitiva, com uma noção de referência e coerência produzidas interativamente e uma noção de texto como evento construído na relação situacional.” (idem)
“Ler e compreender não são diferentes.” (p.239)
“A compreensão de texto é um processo cognitivo.” (idem)
“No processo de compreensão, desenvolvemos atividades inferenciais.” (idem)
“Os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao compreendermos um texto.” (idem)
“Compreender um texto não equivale a decodificar mensagens.” (idem)

A importância de conceber a língua como trabalho social, histórico e cognitivo
“A língua é muito mais do que um sistema de estruturas fonológicas, sintáticas e lexicais. Ela é estruturada simultaneamente em vários planos, tais como o fonológico, o sintático, o semântico e o cognitivo, que se organizam no processo de enunciação, variando ao longo do tempo e de acordo com os falantes: ela se manifesta no seu funcionamento e é sensível ao contexto.” (p. 240)
“Sendo a língua uma atividade constitutiva, tal como dizia Franchi (1977), com ela podemos construir sentidos.” (idem)

A necessidade de tomar o texto como evento comunicativo
“O texto não é um puro produto nem um simples artefato pronto; ele é um processo e pode ser visto como um evento comunicativo sempre emergente. O texto é uma proposta de sentido e se acha aberto a várias alternativas de compreensão. A coerência de um texto é uma perspectiva interpretativa do leitor e não se acha inscrita de forma completa e unívoca no texto.” (p. 242)
“Se a língua é atividade interativa e o texto um evento comunicativo, a atenção e a análise dos processos de compreensão recaem nas atividades, nas habilidades e nos modos de produção de sentido.” (idem)

Noção de inferência
“As teorias fundadas no paradigma da decodificação sustentam a posição de que a língua é um sistema de representação de ideias e o texto é um repositário de informações. No caso, compreender o texto é apenas decodificar informações inscritas objetivamente. Já as teorias que postulam a ideia de que compreender se funda em atividades cooperativas e inferenciais, o sentido está numa complexa relação interativa entre a tríade (texto-leitor-autor).” (p.248)
“As inferências funcionam como hipóteses coesivas para o leitor processar o texto. Lidam com as relações entre esses conhecimentos e muitos outros aspectos. Segundo Rickheit, Schnotz &Strohner (1985:8): ‘Uma inferência é a geração de informação semântica nova a partir de informação velha num dado contexto’. As inferências na compreensão de texto são processos cognitivos nos quais os falantes ou ouvintes, partindo da informação textual e considerando o respectivo contexto, constroem uma nova representação semântica.” (p. 249)

Compreensão como processo (p.256)
Processo estratégico: a compreensão não é uma atividade com regras formais e lógicas, com resultados automáticos, mas antes uma ação comunicativa otimizada com diferentes alternativas possíveis.
Processo flexível: não há um sentido único na compreensão, mas se dá num movimento global e local.
Processo interativo: a compreensão não é unilateral, mas cocontruída e negociada.
Processo inferencial: a produção de sentido não se dá pela identificação e informações codificadas, mas como atividade em que diferentes conhecimentos atuam.
Um texto original permite diversos horizontes, perspectivas de interpretações:
“Falta de horizonte: copia o que está dito no texto.” (p.258)
“Horizonte mínimo: leitura parafrástica, espécie de repetição com outras palavras.” (idem)
“Horizonte máximo: atividades inferenciais, reunião de várias informações do próprio texto, conhecimentos pessoais ou outros não contidos no texto.” (p.259)
“Horizonte problemático: ‘opinião pessoal’” (idem)
“Horizonte indevido: indevida ou proibida, estrapolando a idéia do autor.” (idem)

A compreensão interdialetal
Marcuschi cita a pesquisa da sociolinguista Stella Bortoni-Ricardo sobre dialeto “rurbanos” (rurais + urbanos) partindo do pressuposto de que não existe unidade linguística no Brasil. Seu objeto de anãlise são entrevistas feitas por estudantes universitários com migrantes da zona rural para Brasilândia, cidade satélite de Brasília. Marcuschi observa, porém que a relação entre os interlocutores no gênero entrevista é problemática já que esta demanda de Bortoni-Ricardo leva em consideração três fatores:
“Assimetria entre os interlocutores, disposição para a convergência e insegurança linguística” (p. 261)

O tratamento da compreensão nos livros didáticos
Em seu livro Marcuschi finaliza a terceira parte sobre compreensão de texto falando sobre o tratamento que é dado a efeito da compreensão nos livros didáticos. Segundo ele, esse tema é de grande importância, pois se trata do ensino da língua portuguesa e da sua aplicação na sala de aula.
Marcuschi em seus estudos (1996; 1999) fez uma análise detalhada observando em vários livros didáticos, a utilização da compreensão, interpretação e o entendimento de texto. Observou algumas problemáticas nos exercícios de compreensão:
“Compreensão é considerada atividade de decodificação, uma atividade de cópia e extração de conteúdos.” (p. 266)
“As questões típicas de compreensão vêm misturadas com uma série de outras que nada têm a ver com o assunto e podem ser respondidas com qualquer dado.” (p. 266, 267)
“Raramente levam a reflexões críticas sobre o texto e não permitem expansão ou construção de sentido. Perde-se uma excelente oportunidade de treinar o raciocínio, o pensamento crítico e as habilidades argumentativas.” (p. 267)
“Os exercícios de compreensão dos livros didáticos costumam falhar em pelo menos três aspectos centrais: noção instrumental de língua, como transmissora de informação; os textos são produtos acabados que contêm em si objetivamente inscritas todas as informações possíveis; compreender, repetir e memorizar são a mesma coisa.” (p. 269)
“A noção de compreensão como simples decodificação só será superada quando admitirmos que a compreensão é um processo criador, ativo e construtivo que vai além da informação estritamente textual.” (idem)

Tipologia das perguntas de compreensão nos livros didáticos
Marcuschi aprofunda sua pesquisa e enumera os tipos mais frequentes de perguntas que são usadas nos livros didáticos como exercícios de compreensão de texto.
“Considerando a leitura como uma atividade social e crítica, poderíamos encaminhar uma nova proposta de construção de uma tipologia de perguntas.” (p. 270)
“Quanto às perguntas subjetivas, é bom ter presente que os alunos se sentem comprometidos com o paradigma da escola e às vezes dizem o que imaginam que vai agradar à professora.” (p. 272)

Os descritores para a compreensão textual no ensino fundamental
“O SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), uma prova aplicada pelo MEC com o objetivo de avaliar a proficiência de língua materna no Brasil, se dá a partir de uma matriz de referência. Essa matriz apresenta 21 descritores, que são usados para avaliar as habilidades em língua portuguesa, sendo alguns deles de caráter inferencial. Porém, essa prova apresenta alguns problemas. Um deles é uma elaboração ruim das questões, levando o aluno ao erro e o maior deles é o fato de somente avaliar a compreensão textual, deixando de lado a produção.” (p. 274-276)
“Com tudo isso concluímos que para se saber compreensão de um texto não pode se manifestar só com exercícios de perguntas e respostas.” (p. 278, 279)