Palavras-chave: textualidade; poemas; Arnaldo Antunes; coesão.
1. Introdução
Para estudar esse intrigante fenômeno, fizemos uso dos conceitos de texto designados por Marcuschi (2008) e Koch (2009), segundo os quais o texto não é um produto pronto e finalizado do pensamento ou um simples conjunto de códigos, mas sim o lugar de interação em que a construção do sentido se faz tanto por quem enuncia quanto por quem lê/ouve.
Partindo dessas noções, analisaremos que fatores fazem com que as obras de Arnaldo Antunes sejam categorizadas como texto e como, a partir destes elementos, o autor permite a pluralidade de leitura dos mesmos.
2. Fundamentação Teórica
Entretanto, esse posicionamento não implica apenas a visão do texto como ação social, mas, como diz Marcuschi (2008), ele é também uma atividade lingüística e cognitiva. Este último item, referente ao ato de conhecer empregando atenção, percepção, pensamento e linguagem, nos leva a um importante ponto realçado por Beaugrande (1997: 13): “um texto não existe, como texto, a menos que alguém o processe como tal.” Mais uma vez, o leitor/ouvinte é visto como peça-chave da comunicação, pois ele mobilizará seus conhecimentos para não só interpretar o texto, mas, antes disso, reconhecê-lo como sendo uma estrutura capaz de ser interpretada.
Ainda segundo Marcuschi, para permitir a comunicação efetiva e fluente, o texto deve se adequar a um conjunto de sete critérios que o transformem em um enunciado ordenado e assentado, não só um aglomerado de frases. Ele os divide em quatro grandes aspectos: o lingüístico, do qual fazem parte a coerência e a coesão; o psicológico, contando com a aceitabilidade e a intencionalidade do texto; o computacional, representado pela informatividade; e, por fim, o aspecto sociodiscursivo, que envolve a situacionalidade e a intertextualidade.
Em nossa pesquisa, focamos principalmente no aspecto lingüístico, com ênfase na questão coesiva. A coesão nada mais é do que a articulação superficial entre os elementos componentes do texto, sejam eles palavras, orações, frases ou parágrafos. O modo como se estabelece essa conexão é determinante para um outro aspecto que vai mais além: a coerência, que diz respeito à harmonia do texto, ao modo como os sentidos serão projetados.
Em A Coesão Textual (1999), Koch adota duas categorias para a coesão. A primeira, referencial, envolve a maneira como os componentes do texto remetem uns aos outros, especificamente ou não, retomando ou antecipando uns aos outros. O segundo tipo é a coesão seqüencial, marcada pela interdependência entre as partes do texto para a sua progressão fluente, estabelecendo relações lógicas entre elas. Essa última, a qual tomamos como base, ainda divide-se em três vertentes: a coesão seqüencial frástica, que remete à progressão temática através de tema-rema; a coesão seqüencial parafrástica, que analisa os recursos textuais de conteúdo semântico; e a coesão seqüencial interfrástica, que possui tanto elementos lógicos quanto discursivos.
3. Análise dos dados
O caráter que nos chamou a atenção foi justamente o modo como o autor cria a simultaneidade de sentidos, característica marcante não só da sua literatura, mas de toda sua arte. Largando mão de elementos gráficos, Arnaldo Antunes brinca com a sintaxe, explorando-a de forma a criar uma poesia quase sensorial. O poeta também trabalha com os cortes em palavras e frases, causando um caos aparente para quem o lê pela primeira vez. Entretanto, já se foi dito que o leitor, movimentando seus conhecimentos prévios, é capaz não só de interpretar um texto, mas também de processá-lo como tal. A partir dessa afirmação, pode-se dizer que, apesar da forma solta e fragmentada dos poemas, eles de fato constituem unidades textuais.
Mas de que forma isso ocorre se, como observaremos a seguir, a arte de Antunes por muitas vezes deixa dúvidas quanto ao fato de se enquadrar ou não nos critérios de textualização postulados por Marcuschi?
Tomemos como exemplo o poema Solto.
(ANTUNES, 2005: 13)
O texto apresenta apenas uma frase desconstruída em sua estrutura, sem verbos, não constituindo sequer uma oração. O que nos parece, à primeira vista, apenas um recurso estilístico para a criação da poesia híbrida acaba por se revelar a razão principal da pluralidade de leituras produzidas. Pode-se ler “Sol todo sol”, com o último círculo da coluna representando um ponto final, como também é possível “Sol todo solo”, em que representaria a letra o. Não só recursos gráficos são utilizados. O nome do poema, solto, nos permite ler o trecho sol da seguinte forma /sow/. A ausência de pontuação e a desconfiguração da frase possibilita, portanto, mais leituras: “Sou todo sol.” ou Sou todo solo“.
Praticamente os mesmos recursos são utilizados no poema Meu Nome, em que cortes transformam a letra e das palavras some e nome em conjunções aditivas, conferindo ritmo e novas possibilidades. Além disso, o corte em ‘me’ permite duas leituras da parte final: “e côa” ou “ecoa”. Esse recurso remete à técnica dos ideogramas, em que fragmentos distintos dão origem a uma terceira parte sem que se percam, no entanto, os significados originais.
(ANTUNES, 2005: 14)
Neste caso, entretanto, podemos notar que a presença de verbos, estruturas, de certa forma, mais elaboradas que substantivos e adjetivos, restringe o número de leituras possíveis para que o poema faça sentido. É preciso, todavia, ressaltar que esse é um fator que pode interferir de maneiras diversas dependendo dos vocábulos selecionados e do modo como o autor os organiza. Como é possível notar no poema seguinte, apesar, a escolha das combinações não torna a interpretação mais restrita e sim expande as possíveis leituras.
(ANTUNES, 2005: 16)
Dentre as possibilidades deixadas pelo autor, algumas possíveis são “Sem mim, ando comigo. Sigo sem comando” ou “Sem mim, ando comigo. Sigo. Sem, com, ando.” Graficamente, o autor faz uso de espaços que, durante a leitura, simulam o ritmo de passos sendo dados.
Percebe-se, com estes exemplos, que o autor busca instigar o leitor não somente a usar seus sentidos durante a leitura dos textos, mas também procura fazer com que ele inicie um processo de desconstrução constante daquilo que foi construído, elaborando por de acordo com a sua vontade a nova poesia.
4. Considerações Finais
Neste trabalho, procurou-se analisar de que forma as poesias de Arnaldo Antunes especificamente do livro 2 ou + corpos no mesmo espaço, transmitem pluralidade de leitura e simultaneidade de sentidos a variar de acordo com quem lê, e quais estratégias os leitores utilizam, mesmo que inconscientemente, através da noções de texto propostas por KOCH e MARCUSCHI.
Nos poemas analisados vimos que a pluralidade de leituras varia na sintaxe, nas possibilidades sonoras de seus aspectos fonológicos, o que à primeira vista para o leitor, causa certo estranhamento.
Pudemos perceber, também, que a ausência de certos elementos coesivos, ao contrário do que se espera, não desestabiliza a textualidade dos poemas. Pelo contrário, o modo como Arnaldo Antunes trabalha essa lacuna é enriquecedor para quem o lê, que mobiliza não só os conhecimentos de mundo para a interpretação dos poemas, mas também exercita o trabalho linguístico e cognitivo de maneira sutil e, pode-se assim dizer, prazerosa.
5. Referências
KOCH, Ingedore Grunfeld Vilaça. (1993). A Coesão Textual. São Paulo: Contexto.
KOCH, Ingedore Grunfeld Vilaça. (2009). Desvendando os Segredos do Texto. São Paulo: Cortez Editora.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. (2008). Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola Editorial.
SANTOS, Alessandra Squina. Percepção e a filosofia da forma: a poesia de Arnaldo Antunes. Zunai Revista de poesia e debates. Ano 2003-2005. Acesso em 03 dez 2010.
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